A Pedra Preta: Capítulo 8 - Andando em círculos

Por: Colorado Teus

Satisfação,

O livro continua, segue o link para quem perdeu o começo é sugerido ler isto antes:http://coloradoteus.blogspot.com.br/p/pedra-preta.html



Capítulo 8 - Andando em círculos

 Colorado Teus continuou sua caminhada rumo a um lugar que racionalmente não sabia onde era, seguia sua intuição e sentia que estava chegando cada vez mais perto. O dia estava ensolarado, bem quente, a natureza se movimentava bastante; os pássaros cantavam e voavam, algumas vezes fugiam do ser estranho que passava por perto, mas o adolescente estava bastante animado em sua caminhada.

 Não tardou a começar perceber coisas mais estranhas em seu caminho, com o que vinha aprendendo com sua mestra era natural começar a prestar mais atenção nos pequenos detalhes que antes não prestava. Os formatos de algumas árvores se pareciam agora com pessoas, a floresta com as pessoas juntas indo trabalhar; cada nuvem que aparecia tinha também sua correspondência, algumas pareciam pessoas se amando, outras pareciam objetos da escola, outras até mesmo cenas mais complexas. Chegou perto de um rio e começou a escutar seu barulho em sobreposição ao da floresta, parecia uma orquestra.

 Continuou andando e, como o dia estava ficando cada vez mais quente, sua blusa começou a atrapalhar, pois dentro dela estava muito quente. Teve vontade de jogar fora porque parecia estar carregando peso à toa, para que serviria uma blusa num calor daquele? Decidiu não se desfazer da blusa e continuou sua caminhada daquela maneira mesmo.

 Andou até se perceber passando por duas árvores muito diferentes. À sua esquerda parecia um limoeiro de médio porte, ele parecia estar bravo, com seus galhos secos sendo apontados para uma laranjeira à sua direita, que parecia acuada em relação ao limoeiro. Começou a observá-las e veio à sua mente que estavam discutindo, o limoeiro estava acusando a laranjeira de ter feito algo que o atrapalhou, mas a laranjeira dizia que não sabia que aquilo faria algo de negativo para o limoeiro, que caso soubesse como seria não teria feito. O limoeiro continuava indignado ainda assim, pois teria tido vários outros limoeirozinhos se a laranja da laranjeira não fosse tão doce e os pássaros também gostassem de comer os limões, e então carregar suas sementes para outros lugares. Aquela briga parecia que não terminaria enquanto cada um não entendesse a própria natureza, que o limão só era azedo porque sua árvore era uma antiga árvore de laranjeira que conseguiu sobreviver em um solo muito ácido, colocando o excesso de ácido em seus frutos. Não tendo tanta paciência, Colorado Teus continuou sua caminhada.

À sua esquerda a mata era muito mais densa que à sua direita, então mantinha-se sempre evitando a parte mais densa. Passou um tempo e chegou perto do mesmo casal, limoeiro e laranjeira. Neste momento o limoeiro estava acusando a laranjeira de tampar o Sol que receberia na parte da manhã. Continuou caminhando por um caminho diferente do que tomara e voltou ao mesmo lugar, quando o limoeiro estava acusando a laranjeira de roubar a água que chegava até ali pelo solo para ele. Continuou caminhando por um caminho diferente dos anteriores e, quando voltou ao mesmo lugar e viu o limoeiro culpando a laranjeira por uma provável escassez de ar, pois respirava muito, percebeu que estava andando em círculos e decidiu ir até o centro dele, que estava na parte menos densa da floresta. Chegando lá, achou um pequeno lago e começou a apreciá-lo, então sua mente foi jogada para uma situação que tinha discutido com sua mãe.

Estava em casa, no seu quarto escutando rock, quando a música falou:

"Six, six, six, the number of the Beast,

 Hell and fire, was spawned to be realised..."

sua mãe entrou no quarto muito brava, gritando:

- Você fez uma bagunça na cozinha e não arrumou! Como vamos conseguir conviver desta maneira?

- Claro que arrumei, lavei até algumas coisas.

- E você acha que só lavar é arrumar as coisas? E varrer o chão? Trocar a toalha? Secar e guardar a louça? Lavar a pia? Você acha que isso se faz em um passe de mágica?

- Eu nem sabia que eu precisava fazer isso.

- Para você aprender vai ficar um mês sem poder andar de bicicleta, e faça o favor de desligar esta música do demônio!

- Mas eu nem sabia!

- Não quero saber.

Colorado Teus lembrou do tamanho da injustiça feita por sua mãe e ficou indignado; ficou por um tempo deitado ao lado do lago remoendo o assunto, até que apareceu Dona Egídia ao seu lado, que chegou falando com muito bom humor:

- Saravá meu filho, quanto ódio ao redor desta sua cabecinha!

- Se você soubesse o quanto eu sou injustiçado pela minha mãe você me entenderia.

- Sua mãe que te colocou no mundo filho, não fale assim.

- Colocou né, mas parece que ela queria um escravo.

- Quem será que é mais escravo de quem? Você dela ou ela de você? Quem faz mais coisas por quem?

- Ela me fez porque quis...

- E o filho da Vanessa, caso ela estiver mesmo grávida, vai nascer porque você quis? Ou porque você só queria ter uma relação sexual com ela? Nem todos os filhos são programados...não julgue tanto sua mãe.

 O orgulho de Colorado Teus foi quebrado ao meio com aquele golpe, uma, duas, três lágrimas começaram a escorrer de seus olhos e logo ele desabou a chorar, sentindo uma grande saudade de sua mãe e culpa por tanto sofrimento que ele causou na vida dela, do quanto ela teve que ralar para satisfazer a preguiça dele. Dona Egídia tentou consolá-lo:

- Ela também tem uma parcela de culpa nisso, poderia ter te educado de maneira diferente e ensinado de uma forma mais clara, mas nem todos são perfeitos e é assim que o mundo caminha por enquanto. Um dia quem sabe inventem um método perfeito para criar bebês e colocá-los em seus melhores caminhos desde cedo. Mas antes disso temos que continuar com nossas discussões para criarmos um caminho que nos ajude a caminhar nesta direção, o que chamamos de evolução. Me conte filho, você acha que o limoeiro estava sendo injusto com a laranjeira?

- Sem dúvidas estava.

- Sim, é bastante comum acontecerem situações assim, principalmente quando as coisas estão em lugares onde não deveriam estar, ou pelo menos dão a impressão que não deveriam estar. Aquela laranjeira não tem culpa se seus frutos são mais doces que os do limoeiro, foi uma característica herdada de seu(s) pai(s) e é algo que a beneficia. Já o limoeiro que parece estar no lugar errado, pois se estivesse em um lugar em que os animais gostassem mais de frutos bastante ácidos, ele teria muito mais filhos que se a laranjeira estivesse por lá. Mas o problema é que ele também não pode mudar isto, pois ali ele nasceu e provavelmente ali ele vai ficar, então se sente injustiçado por ter nascido sem o dom de ter frutos doces e guarda esta mágoa que não irá levá-lo a lugar algum diferente de uma vida de brigas. O mesmo acontece com o ar que ambos precisam respirar, o Sol que nasce de um lado e beneficia hora um, hora outro, com a água que é escassa para ambos, etc. Somente por ficarem perto um atrapalha o outro naturalmente.

- Parece ser uma situação que não tem solução.

- Tudo tem solução filho, neste caso, por exemplo, a solução está em deixar de se magoar por um assunto que eles não conseguem mudar e aprender a conviver com aquilo, aprender a ser feliz com o que tem. A lógica é simples: enquanto não sabemos como mudar, não adianta ficar magoado com uma situação; devemos ser feliz com o que temos enquanto não conseguirmos evoluir e/ou conseguir novas soluções para o problema. Claro que algumas situações são bem mais complexas do que isto.

- Mas você acha que é possível solucionar qualquer problema?

- Acreditar que é possível solucionar é o primeiro passo para solucionar, o problema é quando estamos querendo solucionar um problema que no fundo não é um problema, mas somente a ilusão de que seja um problema. Às vezes são criados paradoxos em lugares que não existem paradoxos, vou citar um exemplo bem simples: demônios. Você sabe de onde nasceram os demônios?

- Não faço ideia.

- Pensando pela lógica católica, se Deus é onipresente, está em tudo, os demônios são partes Dele. Não era isso que tanto te intrigava aquele dia que falou pela primeira vez com Seu Caveira?

- Sim, fiquei realmente muito confuso.

- Pois então, a questão é que demônio não foi sempre algo que existiu para nós humanos. Preciso contar uma história para prosseguir.

 Era uma época um tanto quanto conturbada, há pouco tempo Jesus Cristo havia morrido e sua palavra começou a ser disseminada por todo o mundo. Eram parábolas lindas, todos que as ouviam se apaixonavam e começavam a repassá-las. Grupos foram criados para estudar as palavras de Yeshua, seu nome em hebraico, e cada vez mais o império romano foi cristianizado. Um dia, um imperador descobriu que seus soldados, quase todos cristãos, não queriam mais lutar; eles realmente seguiam a história de que "se alguém dar um tapa em sua face, mostre-no a outra". Vendo que iria perder uma eminente batalha, contou para seus soldados que teve um sonho. Na noite anterior teve um sonho em que falou com Yeshua e foi convencido que o império romano deveria se tornar cristão e que estavam ali pelo destino, pois lutavam contra um povo que cultuava o ser que atentou Yeshua no deserto. Então os soldados lutaram bravamente e venceram com facilidade a luta. Vendo que isto era praticamente uma fórmula para ganhar batalhas, era só falar que um povo cultuava o demônio que a batalha já estava ganha. Então se um povo cultuava um bode, o bode virava uma parte do demônio e eles o dominavam; se outro povo cultuava um tridente, o tridente virava parte do demônio e este era dominado. E assim foi até chegar em grande parte dos demônios que são conhecidos hoje, virando uma mistureba que só complica a cabeça de todo mundo e oprime muita gente. 

Um termo que é muito comum também quando se fala disso é Satan, que vem do árabe Shaitan, que significa adversário, o que fica bem claro o porquê nesta história que acabei de te contar. Toda vez que surge um adversário, no sentido de se opor a um movimento ou ideia, ele é um Satan. Convenhamos que barreiras são muito importantes muitas vezes, por exemplo, se nossa pele não fosse uma barreira para nossos órgãos, eles não iriam parar e nós não formaríamos organismos. Assim para ideias que estão na direção errada e precisam mudar de direção, é necessário que algo se oponha ao movimento delas, é aí que entra novamente o Satan. Satan está além de bem e mal, Satan quer dizer oposição, para o bem ou para o mal.

- Caramba, é claro que eu nunca iria conseguir responder a pergunta do Caveira, quando eu pensava em demônios, eu já pensava em bem e mal instantaneamente.

- Provavelmente não mesmo, bem e mal é sempre algo muito relativo.

- Então demônio absolutamente não existe?

- O que posso dizer é que existem disfunções, alguns defeitos capitais que acabam criando desarmonia e seres que usam da oposição para se beneficiarem, desviando massas da fonte para se beneficiar sozinho desta. Neste caso eu diria que são alguns problemas a serem resolvidos.

- Você pode me falar destes defeitos capitais?

- Eu até poderia, mas isto não será de mim que você irá aprender, será do grupo que você está indo conhecer. Mais importante do que saber sobre algo, é sentir a diferença que isto cria no mundo, só assim o conhecimento será bem assimilado, é por isso que estou te levando para onde está indo.

- Fico feliz em saber disso, mas então, prossiga o que falava sobre as diferenças.

- Com todo o prazer. Continuo com um pedido, me fale o que é quente e o que é frio para você.

- Quente é quando algo está acima da minha temperatura e frio é quando está abaixo.

- Agora imagine o seguinte: chega uma senhora a 37º e um rapaz a 36º de temperatura e ambos tocam um objeto a 36,5º. Começam a discutir pois a senhora diz que o objeto está frio e o rapaz diz que o objeto está quente. Quem está certo?

- Os dois!

- Não! Nenhum! Eles não deveriam estar discutindo. Eles deveriam estar indo atrás do porquê existe uma divergência de opiniões no caso, não discutindo quem está certo/errado, louco/são, etc. Estão desperdiçando energia e se densificando sem necessidade, uma insanidade!

- Agora faz muito mais sentido, por isso que eu tentei mudar de caminho cada vez que eu chegava ao mesmo lugar hoje mais cedo. Se eu parasse para reclamar não chegaria a lugar nenhum, se eu não mudasse de caminho também não chegaria e ficaria ouvindo as discussões do idiotado do limoeiro. Somente chegando ao lago que eu fui achar algo realmente útil.

- Perfeitamente! Mas não chame o limoeiro de idiota, seu limão só é azedo por causa de seu temperamento, e é o azedo de seu suco que dá uma boa limonada. O coitado só está no lugar errado, neste caso, e não consegue entender isto. Muitas questões se resumem em estar no lugar certo e na hora certa, há quem diga que evoluir é achar esta coordenada de espaço e tempo. Se assim o for, como sabemos onde é o lugar e hora certa?

- Nos conhecendo!

- Exatamente, sabendo os defeitos e qualidades de cada um, só assim conseguimos evoluir. Você saiu de sua cidade pois percebeu que estava no lugar errado para aquele momento, só assim poderia começar a solucionar seus problemas.

 Colorado Teus começou a chorar bastante, começou a ver muitos de seus problemas se transformarem em lágrimas e cair no lago, para então afundarem até se estabilizarem na terra ao fundo do lago. Viu que muitos dos problemas que teve em sua vida não foram os outros que causaram, foram causados por ele, que estava no lugar errado para aquele momento. Muito chorou e suas lágrimas devem ter aumentado um pouquinho o nível do lago, quando olhou em sua volta, não viu mais Dona Egídia, mas confiou que ela estava o mandando para o lugar certo e voltou a caminhar.

Estava escuro e bastante frio, pegou sua blusa (ficou feliz por não ter jogado-a fora) e chegou mais uma vez ao lugar em que estavam o limoeiro e a laranjeira. Viu que não haviam outras árvores perto do limoeiro e resolveu colocar fogo neste, que voou pelo céu como cinzas enquanto Colorado Teus cantava "Hell and fire was spawned to be realised."

- Sinta-se livre limoeiro, agora você faz parte de toda a floresta.

Foi um ato um pouco impensado, ele queria dar a liberdade ao limoeiro...só não foi de uma maneira muito agradável. Lembrou dos romanos que matavam a cultura de um povo, logo o povo, para libertá-los dos demônios, que não eram de fato demônios, e percebeu que tinha acabado de fazer a mesma coisa, sendo ele o Satan do limoeiro. Sua sorte é que no dia

anterior tinha chovido e o fogo não se espalhou pela grama, o que causaria um incêndio em toda floresta. Ficou um pouco triste e feliz ao mesmo tempo, procurou por limões que estavam ao chão e achou alguns, pegou suas sementes e levou consigo para plantar em algum lugar que achasse que seria o ideal, pois ali nasceriam novos limoeiros infelizes caso plantasse-nas.

Resolveu encarar a floresta densa e assim conseguiu continuar o caminho, batalhando cada vez mais, porém, vendo cada vez mais sentido em querer batalhar e evoluir para chegar em seu destino. Mas mais importante que isso, percebendo que analisar os erros é um passo importantíssimo para a evolução, como se fossem os melhores professores que poderíamos ter.

Vai dar certo!