21 de ago. de 2015

Conto de Sinhá Benta - parte 1

Por: Soror Coruja

Serra de nevoeiro, um inverno a galopar.


Nas terras rochosas do Chile foi onde me cultivei, eu branca ou mestiça, nunca me esquivei. Tinha planos na religiosidade e me chamavam de Bentina. Ainda na juventude, nos meus 16 ao Senhor Antonio fui prometida. Eram poucas jovens que cruzaram a região. Não tinha lei do braço aos cavaleiros, apenas interesses sociais. Todo ano era um casal prometido, só não mudavam as catedrais.



O Cristo daquele ano acho é que me sacrificou. Foi numa sexta-feira da Paixão, Dona Dulce minha mãe, reuniu os convidados na praça da cidadela. Mais pareciam atrizes e atores de novela. Eram duas correntes paralelas de floral. Separavam a multidão para entre elas caminhar o casal. Padre Vicente conduzindo a missa dividindo uma grande taça. Devia era aquele vinho ter ele ganho de graça. Me bateu foi um calorão, vi tudo revirado, era o primeiro chamado sagrado.

Eu na verdade fingia que não ouvia, e a multidão ainda se divertia. Com o foco na esposa Senhor Antonio me levou pra casa, um rapaz introspectivo, rústico, ligado a tradição do universo de bens materiais, revoltado o pobre rapaz.

Enquanto essa era a preocupação do companheiro autoritário, eu vivia longe do casarão, me dava bem com os animais, vaqueiros e familiares do quilombo, povo tido como solitário.
Devido a injustiça que sempre os rodeavam, incapacidade de compreensão do mundo, se viam sempre perseguidos, me juntava a eles para crescimento profundo.

Quanto mais próxima estava, mais descobria através das contas o tanto que o Senhor Antônio trapaceava.
E como eu contava? Sentava no pátio de colheita, concentrava, e derramava pelo chão sementes de milho, realizava somas e diminuições ali mesmo, e ninguém desconfiava, só as criada espiava.

Junto de seu Pai Roberto, Senhor Antônio chegou ao casarão, vinha da cidadela. Era dia de pagamento. Logo notou a diferença, e desconfiou que as minhas conta, como de costume, diferiam das dele. Daquele jeito bruto, não se conformou e logo me subestimou.

Era noite de inverno, gelada e nevoenta, fui até o quilombo, onde os trabalhadores se aqueciam em fogueira e cantoria com pimenta.

Seu Tomás era pessoa de consideração, o de mais idade, me falava sobre a Fé, e as preces vindas do coração. Naquela noite queria entender-se comigo a respeito da educação dos pequenos, e eu logo enchi o peito de vontade e inspiração.

Sem apoio da família e do companheiro, consegui homens fortes e criativos, se juntaram e levantaram um barracão com larga mesa e tamborete feito a facão. Tinha até o campo de recreação, com balanço e escorrega. Juntei meus retalhos, que eram muitos, e logo reuni as menina para aprenderem o molde e costura com disciplina.

Num tinha uma praga curiosa que não aproximava pra observar o que estávamos fazendo até estorvar. Meu companheiro me buscava com sua égua galopando, e logo me retirava dali chispando.

Naquela noite, Vicentinho, filho de vaqueiro de confiança, era meu mensageiro, me chamava de Sinhá Benta, entrou pela cozinha aflito a contar sobre sua mãezinha que estava em posição de parto. Eu não sabendo o que fazer, apanhei minha capa e atirei na égua levando só uma garapa.

Na curva do morro já ouvi o sofrimento, a mulher tanto berrava, que a égua descerrava. No quilombo, já que ninguém respondia ao ato, acabou que por cima da moça eu saltei, fiz uma reza comprida, o santinho eu implorei, foram poucos segundos, e o choro infantil abençoei. Naquilo varamos a noite, e eu cheguei sinceramente a rezar de trás para frente, reza essa que me fez diferente.

Dali em diante, foram dias, tarde e noites a socorrer as esposas e filhos dos vaqueiros, eu saía da história ilesa, sem pecado pra pagar, queria mais era ajudar. Mas a perseguição do companheiro não tinha como evitar.

Quando ainda menina, eu escutava uma prosa que casamento era descuido, eu que nunca fui medrosa, chamei mesmo foi de castigo, e hoje eu entendo, o bicho só olhava pro umbigo.

Por longos dias no galpão continuei o tricô com as meninas, com o tempo veio a cantoria e a batucada que Seu Tomás com alegria inspirava. Tinha uma grande família, esposa, filhos e seis irmãos, todos devotos cristãos, se juntaram e ensinaram também os pequenos a galopar, plantar e marretar.


Eu, perseguida e vigiada passei a viver. Tudo queriam saber, meus familiares viviam incomodados, mas não deixei de fazer o que é de meu dever. Fui chamada de bruxa, feiticeira, e traidora, mas nada me sufocava e me fazia esconder. Pensava naquela gente, que sofria mas aguentava e isso só me aboiava.

No alto dos morros, bem no topo, uma cabra gemia desenfreada, naquela terra a lenda era que quando isso ocorria a morte de um homem ela esperava.

Mas a vida não alerta, para certas cenas onde se cultiva o rancor e mal-humor, nem a pessoa desperta com dor. Meu companheiro caiu foi de cama, uma febre de desgrama. Pelas duas da manhã apanhei debaixo de nevoeiro, alguns frutos de pimenta cascabel, juntei com melado e cogumelo de chapéu.

 Senhor Antonio bebeu foi moringa inteira, os batimentos aumentaram, e logo no amanhecer da cama ele saltou, e todas dor passaram. 

Mas esse cavaleiro, que lutava só por dinheiro fez cara de abatido e sério, todo mundo lhe olhando, e ele foi logo confirmando, com certo ar de mistério que um milagre livrou ele do cemitério.

A vida parecia burra, sem prazer para aquela minha família, toda glória era dinheiro, um povo faceiro. Ah, medo não tinham de flecheiro, mas não podiam pensar em morte nem do galinheiro. Depois vinha a disputa, quem havia de tomar conta sem ir pra luta.

Depois daquele momento, levaram na esportiva, era ironia, e partiram pra cidadela, para mais arranjos trapacear. E eu cheguei a pensar que ele estava por despertar.

Mas por vezes, pegam também quem é ruim, e com ele foi assim, a cabra abestada estava certa, acabou sua trajetória a caminho da grande oferta, uns achavam esquisito, outros tinham apreensão, era tanta desculpa ao ocorrido que pedi a todos que se calassem e fizessem uma oração.

Como o tempo foi engraçado, pode ser até cruel, houve outra mudança no céu, lá do outro lado da montanha, e eu estava de viúva com meu chapéu.

(continua...)

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