21 de ago. de 2015

Sinhá Benta - Parte 2

Por: Soror Coruja



Quintal de casa, folha de pitanga que amansa animal

A vida com sua justiça nos dá muito experiência, aparece cada caso, que desafia a ciência. Era dia de domingo, numa tarde azulada, socorri uma menina que no quilombo passou mal, tendo um quadro de desequilíbrio, quase sobrenatural.
Parecia simples resolver, foi então por demais complicado, a menina era inocente, mas tinha sensibilidade diferente. Dos casos que então tive o dever de ajudar esse eu não esqueço, por isso vou contar.


Uma menina com seus 8, filha da cozinheira Dolores muito educada do casarão, de bem traçada feição, após beber a cuia inteira do xarope de pimenta, pôs a mente em confusão. Muita agitada, sem falar coisa certa, filosofou sobre uma certa traição.

Enquanto eu e sua mãe rezava o seu olhar foi pro teto, vislumbrou pequenas teias sob a telha de inseto. Foi falando bem direto, - “ouçam, ouçam, é o esposo de Sinhá Benta, com sua cara marrenta, reclamão com punhal na mão”. Eu fiquei muito confusa, com as visões da menina, depois que ela silenciou me deu até adrenalina. Senti vontade de ajoelhar, mesmo não vendo nada, humildemente falava - “perdão, senhor Antonio, pelo que vou dizer, mas você precisa entender, que daqui precisa desprender, agora é hora de consertar, botar mais amor no peito, e tirar dessa cabeça o desejo de vingar”.

Depois disso, pedi a Dolores pra ir ao quintal, na árvore de pitanga trazer folhas e açúcar cristal pra botar nessa menina que parecia animal.

Aquele homem era inteligente, com um ódio profundo, longe do poder não ia parar um segundo até que aceitasse a morte e partisse pro submundo.

Daquele dia em diante, era esta a minha pisada, procurava socorrer a menina em todo canto da estrada.
Eu ficava acordada, coçando o queixo com a mão, pensando se era verdade, as ameaça do falecido, ou se era tudo fruto da minha imaginação.

Numa noite de lua cheia, vi passando na estrada Seu Tomás com um lampião, e logo atrás vinha Seu Damião. Foi um momento de luz, de muita iluminação. No sepulcro do falecido unimos em oração. Na hora em que olhei, corvo em bando pousou, algo na minha visão de repente se alterou, vi a ave tão de perto que até me assustou. Naquele exato momento, tudo que olhava depressa se aproximava. E num campo aberto, Seu Tomás com cachimbo fumaça lançava, e com jeito manso me falava - “o que te falo é que nada é ilusão, o que enfrenta é real, e é causa de evolução”.

Entendi naquele dia, que ajuda não careia só aos de terra mas também pros chamado assombração. Os meses foram passando, a estação mudando, junto ao povo do quilombo que mostravam grande fé, ia mais se acreditando, lutava, forte, de pé, prosperando.

Enquanto Damião trabalhava cortando lenha, Dolores despenava frango de segunda a segunda, lá ninguém era escravo de ninguém, fizemos do casarão de dia armazém e de noite hospital do além.

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